ENTREVISTA DA SEMANA - Lucildo Ahlert «Voltar
Sucessão familiar na atividade agropecuária: questão vital para a economia do país

A sucessão familiar na propriedade rural é um tema que tem demandado muito da atenção de todos os componentes do setor produtivo brasileiro. Por isso, o Sistema OCB, a Embrapa Gado de Leite e a Federação Pan-Americana de Produtores de Leite (Fepale) têm unido forças para trabalhar a questão e assegurar o futuro da agropecuária.

Uma das ações desenvolvidas é o Encontro Pan-Americano de Jovens Produtores de Leite, que discute com os próprios jovens sua permanência na propriedade. São apresentadas, aos participantes, questões como novas tecnologias disponíveis, financiamentos, pesquisas, vantagens e possibilidades e estímulos à continuidade da produtividade agropecuária.

O evento já teve duas edições: a primeira, no Uruguai e, a outra, na semana passada, no Brasil. A sucessão familiar foi o tema de um dos painéis do Encontro realizado na cidade de Juiz de Fora (MG), que contou com a participação de mais de 200 jovens de diversos países da América Latina. 

Um dos palestrantes foi o pesquisador e consultor na área de gestão empresarial, com foco na sucessão na agricultura familiar, Lucildo Ahlert. Para ele, os pais precisam tomar conhecimento da intenção dos filhos, incentivando-os desde cedo à continuarem a produção agropecuária. 
  
Quais os desafios para a sucessão familiar na propriedade rural?

Lucildo Ahlert – Inicialmente, a questão passa pelo entendimento dos pais em preparar um sucessor. Eles não se dão conta, pelas atividades intensas que têm, da urgente necessidade que isso demanda, e aí a questão passa batida. Geralmente, essa preocupação só ocorria quando os filhos se casavam, por volta dos 18 anos. Aí os pais sabiam que precisam ajuda-los a terem uma propriedade.
Hoje em dia, isso é muito diferente, pois os filhos – se se casam, casam mais tarde – têm outro caminho: vão à escola, buscam formação profissional, etc. Então, os pais se preocupam basicamente em ajudar os jovens a buscar essa educação na cidade e, assim, continuam na atividade rural. 

Falta inserir os filhos no negócio. Os pais não estão habituados a isso. Consideram-nos dependentes até que se casam e partem. 
Por sua vez, os filhos querem sua independência financeira e têm um projeto de vida e os pais precisam dialogar e tentar entender esse desejo de vida futura. Eles necessitam conhecer esses projetos e trabalhar para que os filhos que têm a vontade de dar continuidade às atividades rurais, comecem desde cedo a ser estimulados a lidar com a realidade do campo. 

E uma porta de entrada é a participação do filho na gestão da propriedade, até porque os jovens de hoje em dia têm muito mais habilidade em utilizar as novas tecnologias em seu favor. Eles podem, por exemplo, inserir os dados da realidade da fazenda em programas específicos e, assim, obter informações de qualidade e que podem ajudar na tomada de decisões, a melhorar a produtividade e ampliar o acesso a mercados. 
O senhor acredita que as famílias, por falta de informação ou até preconceito, estimulando pouco a permanência do jovem na atividade rural?

Lucildo Ahlert – Os pais por não terem informações de qualidade sobre o quanto sua atividade rural significa realmente, têm muito mais uma visão das incertezas do negócio do que das possibilidades viáveis. Neste caso, por não enxergar o que faz, os pais empurram os filhos para as cidades. Mas a grande questão é que os pais também desconhecem as dificuldades da cidade e isso é muito sério.

Quando o filho começa a utilizar as novas tecnologias para obter informações sobre a propriedade, é possível ver o quanto a atividade rural familiar é rentável. Isso é visão de negócio. Até porque a propriedade já está formada, a cadeia de clientes já existe e até há, de certa forma, uma sustentabilidade do negócio.

Ao passo que, na cidade, o filho deverá começar do início a sua vida profissional, o que também não é fácil, sem mencionar todos os aspectos que envolvem a zona urbana.
O jovem precisa se sentir parte da engrenagem que sustenta o país. E a agropecuária Tem movido a economia brasileira, especialmente em momentos de crise, como este pelo qual passamos no momento.


Qual a importância da sucessão na propriedade rural para o país?

Lucildo Ahlert – Eu diria que a sucessão precisa ocorrer mais e mais cedo, porque hoje existe uma necessidade de investimentos pesados a cada momento, em função das demandas do mercado e do surgimento de novas tecnologias. Quando uma propriedade não tem sucessão, pode continuar até certo ponto, enquanto os pais conseguem trabalhar, mas com o tempo, o investimento diminui e isso que causa uma redução na capacidade produtiva. 

Tenho visto alguns casos em que os avós passam a propriedade para os netos, ocorre que o custo disso é alto demais, até que o neto torne-a produtiva novamente. No Brasil, o cidadão pode comprar uma casa, financiando-a em 30 anos, mas na hora de contratar um investimento para organizar a propriedade, o tempo máximo é de 10 anos. Na Alemanha os bancos já perceberam que isso é uma realidade e, por isso, concedem empréstimos de até 25 anos.


Há bons exemplos de como inserir os jovens na propriedade rural?

Lucildo Ahlert – Sim. Estamos trabalhando com duas cooperativas, onde focamos na formação de jovens. Alguns deles até fazem curso superior, mas as faculdades são muito genéricas e seus cursos não são tão aplicáveis à propriedade rural. Então, atuamos neste gap, assim o jovem tem um ensino baseado na teoria e na prática. 

A primeira coisa que fazemos é um balanço da propriedade. Isso gera uma novidade, tanto para os filhos quanto para os pais, quando eles percebem o valor de capital da propriedade, muitas vezes maior do que o de empresas na cidade. 

Então os filhos começam a mudar os conceitos e a controlar os custos. Por exemplo, na produção de leite, ele passa a saber quanto custa produzir um litro e qual o lucro que ele pode obter com isso. Aprendem a fazer projetos, buscando soluções práticas para cada situação. Estes projetos podem prever, inclusive, a participação nos lucros. É uma forma de, aos poucos, inserir o jovem no negócio. Assim, o filho vai obtendo conhecimento e começa a falar de igual pra igual com o pai, participando cada vez mais da gestão da propriedade.

Fonte: Agência OCB/DF