Alimentação saudável começa na cozinha de casa «Voltar

Todos os dias, Lindaci Maria dos Santos Cortes, 52 anos, está pronta às 6h para cuidar da horta agroecológica na propriedade localizada no assentamento Chapadinha, na zona rural de Brasília. Ela e o marido, Raimundo Nonato de Souza, 43 anos, produzem mais de 30 tipos de alimentos agroecológicos que são vendidos em feiras da capital federal. Segundo a agricultora familiar, o destino prioritário é a mesa da família. "A minha plantação eu fiz pensando em mim e nos meus netos. É muito importante para a nossa saúde."

Perto do horário do almoço, Lindaci colhe as hortaliças, verduras, legumes e temperos para preparar a refeição para os sete netos que têm que ir para a escola. Na cozinha, ela tem a ajuda da filha, Telma dos Santos Cortes, 31 anos. "Tudo o que eu aprendi, eu devo à minha mãe", agradece a filha.

Lindaci não teve a mesma sorte da filha para ter alguém que a ensinasse a cozinhar. Aos 13 anos, em Santa Maria da Vitória (BA), já comandava a cozinha da casa dos pais porque a mãe tinha que lavar roupas para sustentar a família e o pai sofria com problemas de saúde. Para ela, o ato de cozinhar é como um ritual – precisa de início, meio e fim.

Tudo começa na noite anterior, quando a agricultora tempera a "mistura" (carne vermelha ou ave). Dependendo do dia na colheita, Lindaci já divide as tarefas com Telma logo cedo para não perder tempo. Uma cuida da carne e do complemento. A outra, do arroz, feijão e salada. As verduras e hortaliças que compõem esta última são colhidas algumas horas antes da refeição. E, mesmo assim, passa por um rigoroso processo de limpeza e de higienização com água e depois com vinagre.

O fogão da casa é de seis bocas e, em um determinado momento da preparação, todas estão ligadas e com um alimento sendo preparado. Entre uma hora e uma hora e meia, a refeição está pronta. O arremate final é a forma como a comida se apresenta na mesa. "Todo mundo come primeiro com os olhos, principalmente criança."

Cozinhar é um prazer para Lindaci. "Se eu não fosse agricultora, seria cozinheira com certeza", diz. "Às vezes eu invento umas receitas e os meus netos gostam demais. Perguntam o que é e só digo depois que eles terminam de comer."

Uma dessas invenções é a omelete verde. As ramas da cenoura e da beterraba, misturadas com a cebolinha recém-colhida, azeite, ovos e temperos, se transformam numa receita deliciosa. Agora, além de ensinar a filha, a agricultora repassa os ensinamentos para os clientes. "Tem gente que pergunta por que levamos as cenoura e beterraba com ramas. Respondo que é rico em vitaminas e já digo como preparo aqui em casa."

A omelete é só um complemento, já que o prato do dia é uma galinha caipira, criada na propriedade. Na panela de pressão, a ave recebe manjericão, cebola, pimentão e um tempero preparado com produtos da própria horta (tomilho, alecrim, alho). Uma pitada de sal e de pimenta calabresa dá um toque final à iguaria. "Fritura eu não gosto não. Prefiro uma carne refogada, com caldo e muita salada", explica Lindaci ao dizer que mais de 80% do que utiliza na cozinha é colhido na própria horta. "Só preciso comprar o grosso no mercado: arroz, farinha, café, açúcar e outro tipo de carne."

Enquanto a mãe cozinha, Telma adianta a salada, sob o olhar do pequeno Caleb, 5 anos. "Todos os dias não pode faltar [salada]. É muito importante para a minha saúde. Se eu não me alimentasse bem, não teria esse pique todo para trabalhar."

Beneficiários do Programa Bolsa Família, os agricultores recebem R$ 147 por mês. Apoiados pelas políticas públicas, eles deixaram a situação de extrema pobreza e alcançam um mercado em potencial que é o da produção orgânica e agroecológica.

Há nove anos no assentamento Chapadinha, se sentem felizes por estarem conseguindo comercializar a produção. "Antes não tínhamos para quem vender", lembra dona Lindaci, que para ajudar em casa, trabalhava como doméstica. Seu Raimundo, antes de investir esforços na própria horta, trabalhava em um sítio na região e não ganhava mais do que R$ 750 por mês.

Por semana, na feira da Central de Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa), a família fatura cerca de R$ 500. Em 2015, o casal já completou a sua quota de R$ 6,5 mil do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal. Com o dinheiro, compraram um carro usado, ano 1999. "Com o nosso carrinho, os meninos não precisam caminhar até a estrada para esperar o ônibus escolar e ainda dá para visitar os parentes", conta Lindaci.

A oportunidade para os agricultores partirem para o plantio de mais de 30 alimentos veio com a tecnologia social de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais) implementada pela Fundação Banco do Brasil, em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF). Lá, eles construíram uma horta circular irrigada por gotejamento em torno de um galinheiro. A família também participou do Programa de Fomento às Atividades Rurais, executado pelos ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e do Desenvolvimento Agrário (MDA), e recebeu R$ 2,4 mil para investir em um projeto produtivo.

Ao fim da refeição – e antes das crianças irem para a escola –, Lindaci celebra a oportunidade de se alimentar bem e tirar o sustento da família da horta enquanto degusta um suco de beterraba com laranja. "É muito gratificante ver os filhos e netos tendo uma alimentação saudável", ressalta. "Eu vejo aquelas frutas e verduras no mercado, mas não me chama atenção. Eu espero a minha crescer para colher porque sei que é saudável e rica em vitaminas."

Fonte: Emater